terça-feira, 16 de junho de 2009

Crónicas do Papagaio

De como se obtém negativa a Matemática, ou… as Tranças da Margarida!

Eu não tivera noites tão más, em adolescente, ou melhor, tivera, mas por problemas intestinais, ou dores de crescimento, não por arrufos nocturnos de namorados à saída de discotecas, ou má disposição gerada por bebidas ingeridas em excesso. Na verdade, nem me recordo de ter tido a oportunidade alguma vez de ganhar boleia dos meus pais para ir a uma qualquer discoteca à noite com os amigos. Mesmo que ansiasse o favor da corrida, não tínhamos automóvel, porque éramos pobrezinhos e humildes demais para o ter. O meu pai - operário, e a minha mãe trabalhava no campo, às tardes. No máximo, o que havia era uma Zundapp, onde o meu pai - lembro agora - me deixava sentar com o motor desligado, quando chegava da fábrica, era eu muito puto, então. Seria fatela que o meu pai me levasse de Zundapp à discoteca! Acreditem!
Não me lembro também, sequer, de ter beijado, durante esse período, ou algo mais tarde, alguma rapariga, nem em casa, nem na escola, na rua, ou no autocarro, nem debaixo da mesa, ou dentro do armário, quanto mais discutir ou fazer azedar relações fora de tempo à porta de discotecas! A Rosa foi o meu primeiro “caso“, já adulto; antes disso, nenhuma miúda me quisera para iniciar experiências amorosas, para ensaiar um beijo ou andar, sequer, de mão dada, por mais que eu o desejasse ardentemente. Era feio, e acho que continuo a ser, - sem comiserações - olhos esbugalhados, a ameaçar saltar das órbitas, lingrinhas escanzelado, pronto para virar de cangalhas ao primeiro encosto no futebol, e sem qualquer tipo de ar que timidamente fingisse uma réstia púbere de carisma ou toque ínfimo de personalidade. As golas das camisas que vestia, havia muito que tinham passado de moda; eram tão largas que pareciam abanadores em dias de calor. No fundo, eu era o que a malta hoje chama de “cocó”. Por isso, não as censuro - a elas, as raparigas! Apenas cumpriam o papel que a natureza lhes dera ; levadas pelo gosto ou pelo instinto, como quisermos, deixavam-me de lado, até porque sabiam perfeitamente que, se fossem vistas à minha beira, de mão dada ou, simplesmente, no cavaco, seriam alvo do riso e da chacota dos e das colegas. Nada de raivas!, eu teria feito o mesmo a mim próprio, tal como é de bom tom num adolescente com acne, arrogante, sectário, cínico e discriminador que se preze.
Um destes dias, num passeio costumeiro com um colega, à falta de pior conversa, ele atirou-me com esta:
- Mas de onde te vem essa má relação com a Matemática?
Levei algum tempo a reagir e acabei por enveredar por terrenos cósmicos, explicações filosóficas - que a dificuldade da disciplina…, que o comportamento nos jovens…, que a problemática das equações…, que a motivação para o estudo… enfim…
Na verdade, pensando melhor e já mais friamente, cheguei à conclusão que enganei inocentemente o meu parceiro de caminhada! Sejamos francos, as minhas negativas a Matemática tiveram origem, assim é que foi … nas TRANÇAS DA MARGARIDA, isso mesmo!!! As malvadas das tranças! E, assim, voltamos ao mesmo, – à problemática das miúdas!
A Margarida era uma trigueira reboluda, de olhos açucarados, hiper-redondos, cara abundantemente circular, de maçãs suaves e rosadas no rosto, a pedirem beijos celestes. Das tranças, essas, nem falo, só digo que me tiravam a respiração, de tão perfeitas que me pareciam!
Não tive hipótese! e apaixonei-me pela primeira vez aos seis anos! Mas não reparei que estava apaixonado, nem que as tranças dela me estavam a mudar o destino. É que a minha professora da primária entendeu que a Margarida devia ficar bem à minha frente na carteira… e foram quatro anos a adorar aquelas tranças longas, com o cabelo perfeitamente enrolado e apertado por uma mãe que eu imaginava infinitamente bondosa e carinhosa. Tranças que taparam a visão para o quadro negro, sobretudo quando lá estavam as contas de somar, dividir, subtrair ou multiplicar. Na gramática e nos textos, o problema já não foi grave, porque eu aproveitava para garatujar e treinar a prosa através de bilhetes com pseudo-frases e pseudo-estrofes secretas, que ela nunca chegou a ler. Escusado será dizer que a Margarida era muito democrática comigo, não me escorraçava, como se eu tivesse alguma doença. Até me dizia, às vezes, “olááá“! Chegava a ser quase afável ou, mesmo, ternurenta! Mas nunca me chegou a beijar… nem eu a ela. Malditas tranças, afinal, deram-me cabo da matemática, sem nenhum proveito!…
Professor Gilberto Rocha

(continua)